O renascimento de Esmeralda?
O festival do Templo Hikawa.
O desespero tomou conta de seus corações enquanto tentavam proteger o corpo desmaiado de Joana, sentindo a barreira a fechar-se cada vez mais ao seu redor.
“STAR HURRICANE!” ecoou uma voz, sobrepondo-se a todo o ruído ao redor.
De repente, centenas de pequenas estrelas de quatro pontas surgiram do nada, unindo-se para formar um furacão carregado de energia branca que crescia a um ritmo alucinante.
“Vai colidir com a barreira! Protege a Joana, rápido!” exclamou Maria. Joana, que ainda estava caída no chão, foi protegida pelos corpos de Maria e Rita. O furacão atingiu a barreira soltando faíscas e com um estrondo ensurdecedor quebrando-a.
Rita olhou para o ramo de uma árvore ao longe, e na penumbra da noite avistou uma silhueta feminina de fato de marinheiro, com os cabelos a ondular ao vento formado pelo furacão, saltando para fora de seu campo de visão.
“Neptuno?” perguntou Joana confusa ao recobrar consciência.
Subitamente, três luzes brilharam intensamente. Maria olhou para seu peito vendo o Cristal de Júpiter faiscar com uma luz esverdeada. Nas mãos de Joana, o Cristal de Vénus brilhava com uma cor alaranjada. E nas mãos de Rita, o Cristal de Marte exalava uma luz como labaredas de fogo, de um tom avermelhado.
“Eu sinto…”
“…o poder…”
“…a voltar para nós. MARS CRYSTAL POWER…”
“VENUS CRYSTAL POWER…”
“JUPITER CRYSTAL POWER…”
“MAKE UP!!”
*
Esmeralda voava pelas sombras da noite, os seus longos cabelos esvoaçando atrás dela como as asas de um corvo noturno. Bunny, amarrada e impotente, debatia-se freneticamente, enquanto Esmeralda a segurava com um domínio firme, seu poder negro pulsando ao seu redor como uma aura sinistra. A lua, velada por nuvens sombrias, lançava apenas uma fraca luz sobre a cena. A expressão de Esmeralda era fria e impiedosa, seus olhos brilhando com uma malícia intensa. Enquanto Bunnyse debatia, Esmeralda observava com prazer sádico, saboreando cada momento de agonia que lhe infligia.
Bunny, com seus cabelos dourados em desordem, lutava com todas as suas forças para se libertar, mas seus esforços eram em vão contra a força implacável de Esmeralda, cujo controle sobre ela era absoluto. Enquanto voavam pelos céus escuros de Tóquio, Bunny sentia o desespero crescer dentro dela, pois sabia que o destino das seus amigas era incerto. O vento gelado da noite chicoteava o seu rosto, enquanto continuava sua luta fútil pela liberdade, cercada pela escuridão que parecia engoli-la por completo.
Esmeralda chegara finalmente em frente à residência dos Tsukino. As luzes estavam apagadas, o silêncio da noite completando um quadro de calma e repouso. Esmeralda largou Bunny, agarrou no seu leque vermelho e elevou-o ao ar, gritando “PODER NEGRO, FULMINA!“
Um trovão negro vindo do seu leque atingiu a porta de entrada da casa derrubando-a com um estrondo e estilhaçando todos os vidros da habitação.
“MÃE! PAI! CHICO! Não!!!” gritou Bunny horrozidada sobre a nuvem de fumo, enquanto tentava correr para dentro de casa.
Esmeralda retirou o seu brinco negro, que imediatamente reagiu magnéticamente e apontou o lugar do cofre no piso superior.
“Mãe… Pai…!” – gritou Bunny preocupada enquanto segurava a cabeça da mãe, que estava caída no chão. Felizmente apenas estavam atordoados e apresentavam algumas escoriações.
“Ai… O que se passou? Estás bem?” – perguntou a mãe de Bunny confusa com a cara coberta de pó.
“Mãe estou bem…! O Chico?” – perguntou Bunny com um sorriso de alivio mergulhado em lágrimas.
“Foi sair com uns amigos…” – disse o pai de Bunny ao lado, com um grande corte na cabeça.
Um riso cortante ecoou pelos corredores da casa, reverberando como uma melodia sinistra. Bunny viu Esmeralda tirar o medalhão dourado em forma de coração do cofre, com suas garras afiadas e determinação cruel. Com um movimento brusco, Esmeralda partiu o medalhão em diversos pedaços, enquanto raios de energia rosa irradiavam dele. No meio da explosão de luz, um cristal em forma de lótus emergiu dos destroços, a sua beleza luminosa contrastando com a escuridão ao redor. Ao toque de Esmeralda, o cristal transformou-se, assumindo uma forma redonda e escurecida
Bunny sentiu uma dor excruciante no seu peito no exacto momento em que o Cristal Prateado se metamorfoseava diante de seus olhos. As suas pernas vacilaram, incapazes de suportar mais o seu peso, e ela caiu no chão, uma mão pressionando seu peito enquanto seu coração batia descontroladamente, como se quisesse escapar do seu corpo. Uma sensação de vazio envolveu-a ao ver a sua essência, o seu Sailor Cristal, a sua semente de estrela, a ser roubada diante de seus olhos. Era como se parte de sua própria alma estivesse a ser arrancada, deixando-a frágil e desamparada.
Os olhos de Esmeralda fixavam-se no Cristal com um brilho diabólico, incapaz de acreditar que finalmente havia conquistado o tão cobiçado Cristal Prateado, por onde tantos haviam falhado. O riso malévolo dela ecoava pelos corredores, preenchendo o espaço com uma sensação de triunfo obscuro enquanto Bunny sentia a dor aguda do cristal enegrecendo sob o toque de Esmeralda. Uma sensação de desespero e impotência tomava conta dela, deixando-a sem forças diante do poder avassalador da vilã. “Tantos problemas no passado para consegui-lo… E foi tão fácil!” regozijou-se.
“Bunny o que se está a passar…?” – perguntou a sua mãe enquanto a abraçava, sem perceber o que estava a acontecer diante dela.
Com um sorriso triunfante iluminando seu rosto, Esmeralda virou-se para Bunny e seus pais, seus olhos brilhando com uma mistura de crueldade e satisfação. “Danos colaterais… É isso que acontece em todas as batalhas, uma pena,” disse ela com voz gélida, enquanto apontava ameaçadoramente seu leque vermelho carregado de energia em direção a Bunny. “A primeira parte da missão na Ásia foi concluída com êxito, matem-nos,” ordenou com frieza, lançando duas pedras ao chão. Um clarão envolveu-as, transformando-as em dois homens de aparência sinistra. Bunny reconheceu-os imediatamente como sendo Jedite e Zoisite, os generais com os quais lutara quando despertara como guerreira pela primeira vez. Jedite segurava na sua mão um punhal metálico.
Jedite e Zoisite fizeram uma vénia, os seus olhos vazios encarando Bunny e seus pais com uma intensidade arrepiante. “O que se passa? Que fazem aqui…?” perguntou Bunny, sua voz trêmula enquanto tentava recompor-se da dor que latejava no seu peito. O silêncio pesado que se seguiu aumentou sua ansiedade, cada segundo parecendo uma eternidade à espera de uma resposta.
Então, num instante, um miado agudo de gato cortou o ar, interrompendo o silêncio tenso da sala. Bunny prendeu a respiração. Zoicite gritou de dor, contorcendo-se diante do ataque repentino, enquanto Luna, a sua fiel companheira felina, saltava para suas costas. A pelagem negra de Luna brilhava à luz fraca da sala enquanto ela arranhava freneticamente Zoicite, deixando-o com vários cortes sangrentos. O rosto contorcido de dor e surpresa de Zoicite só aumentava o terror de Bunny, que sentia seu próprio coração a martelar no peito com uma intensidade assustadora.
“Animal impertinente!” gritou Jedite, a sua voz ecoando no espaço confinado da sala. Ele agarrou a pelagem de Luna arrancando-a das costas do seu companheiro, lançando-a com violência contra uma parede. O som abafado do impacto fez Bunny estremecer. “Morre!”
“PAREM!!” berrou Bunny. Ela sabia que precisava agir rápido para proteger aqueles que amava, mas o seu corpo estava fraco e sem força.
“SPARKLING WIDE PRESSURE!” bradou uma voz, seguida por um disco de raios que atingiu Zoisite, enquanto uma seta flamejante lançada por outra voz gritava “MARS, FLAME SNIPER!” Jedite caiu sob o impacto, e então uma terceira voz ressoou: “VENUS LOVE ME CHAIN!” Uma corrente amarela de energia envolveu Luna, puxando-a em direção a três figuras femininas.
As três guerreiras, imponentes e poderosas, apresentaram-se com uma solenidade que fez o coração de Bunny bater ainda mais rápido. “Segunda das quatro navegantes protetoras da princesa do Milênio de Prata, guerreira das chamas e da luta, protegida pelo planeta Marte, meu guardião. Sailor Marte!” “Terceira das quatro navegantes protetoras da princesa do Milênio de Prata, guerreira da electricidade e da natureza, protegida pelo planeta Júpiter, meu guardião. Sailor Júpiter!” “Líder das guerreiras protetoras da princesa Serenidade, guerreira da luz e da beleza, protegida pelo planeta Vénus, meu guardião. Sailor Vénus!”
As três guerreiras correram para o lado Bunny e seus pais que estavam tetanizados. “Bunny, leva-os para fora!” exclamou Marte entrepondo-se entre eles e os atacantes.
“Parecem mais poderosas desde o nosso último encontro… Mas adivinhem! Nós também!” exclamou Zoisite, elevando a mão no ar. Antes que pudesse completar o seu ataque, Júpiter interveio, a sua tiara brilhando com uma intensidade impressionante. “JUPITER, OAK EVOLUTION!” Centenas de folhas de carvalho carregadas de energia colidiram com o ataque de Zoisite, desfazendo-o numa chuva de faíscas.
Os dois generais continuaram sua furiosa ofensiva, dirigindo ataques poderosos repetidamente. Entretanto, o pai de Bunny conseguira levantar-se e guiava a sua filha e a sua esposa em direção á saída. Quando estavam a chegar à porta, Jedite avançou em direção a Bunny, determinado e implacável, agarrou o punhal, o seu olhar fixo e letal. “É o teu fim, princesa,” disse ele com uma voz firme.
“Por que fazem isso? Vocês estão ao serviço do Endymion, não entendo porq…” mas suas palavras foram interrompidas pelo golpe repentino do punhal, que atingiu seu peito com força no peito.
“BUNNY, NÃO!!!” gritaram as navegantes e os seus pais, horrorizados com a cena que se desenrolava diante deles. Mas para surpresa de todos, o punhal desfez-se em pó assim que tocou na pele de Bunny, deixando-a em estado de choque e incredulidade.
“Tem que parar! SAILOR V KICK!” exclamou Vénus, pontapeando Jedite, que se desviou com uma velocidade impressionante.
“Bunny para fora!” – exclamou Júpiter fazendo-os passar pela saída.
Marte desenhou um círculo de fogo no ar. “BURNING… MANDALA!” Os arcos de fogo atingiram os armários da cozinha, incendiando-os e derrubando-os com um estrondo ensurdecedor entre elas e os generais, que se moviam para escapar do incêndio. Júpiter erguia uma antena da sua tiara. “SUPREME THUNDER!” Vénus juntou-se à ofensiva com seu próprio ataque poderoso: “VENUS LOVE AND BEAUTY SHOCK!”
A energia combinada dos três ataques foi tão devastadora que fez o chão tremer sob seus pés, atingindo os dois generais no centro da cozinha, sacudindo as fundações da casa. O impacto foi tão poderoso que atingiu a botija de gás, fazendo-a explodir com uma força incrível. Chamas ardentes espalharam-se pela divisão, engolfando tudo em seu caminho num inferno de destruição.
Os móveis voaram pelos ares, transformados em projéteis pela explosão, enquanto as paredes tremiam e caiam em ruínas. O fogo rugia, devorando tudo no seu caminho com voracidade insaciável.
A meio ao caos, as guerreiras foram arremessadas para o jardim pelos ventos violentos da explosão. Bunny e seus pais, que já haviam encontrado abrigo seguro, observaram a cena com olhos arregalados de espanto e incredulidade.
Enquanto as chamas lambiam os destroços da cozinha, os corpos dos generais transformaram-se novamente em pedras, desaparecendo no meio dos escombros.
“Estão todos bem? Bunny?” perguntou Vénus, atordoada após o impacto.
“A-acho que sim…”
Enquanto isso, dezenas de vizinhos e curiosos reuniam-se na rua após ouvir o estrondo da explosão, sirenes da polícia ecoavam no ar. Chico, o irmão de Bunny, chegou nesse momento no carro com os seus amigos, apenas para desmaiar ao ver o estado da casa.
*
O ar dentro do templo Hikawa cheirava a incenso queimado e pedra pulverizada. Joana permanecia sentada nos degraus de mármore rachados, os dedos a traçar distraidamente as fissuras que se espalhavam pelo pavimento como veias de um corpo moribundo. O silêncio era pesado, carregado do tipo de exaustão que só vem após uma batalha que deixa mais perguntas que respostas.
“Ainda não consegui processar tudo,” murmurou ela, a voz ecoando suavemente pelo pátio deserto.
Maria aproximou-se com uma caixa de primeiros socorros, os seus movimentos precisos mas cansados. “É compreensível. A destruição da casa dos Tsukino…” Parou, desenrolando uma ligadura com mais força que o necessário. “Nunca vimos nada assim antes.”
O algodão embebido em desinfetante ardeu contra o cotovelo arranhado de Joana, fazendo-a fazer uma careta. Era um lembrete físico do quão real tudo aquilo tinha sido.
“E não se esqueçam do estado do meu templo,” disse Rita, a voz carregada de uma amargura que raramente deixava transparecer. Gesticulou para o pátio devastado, onde pedras centenárias jaziam partidas e espalhadas. “O parque público também não ficou melhor. Árvores arrancadas pela raiz, bancos de ferro retorcidos como se fossem plasticina…”
Sentou-se pesadamente ao lado das amigas, o peso da responsabilidade visível nos seus ombros tensos. “Mas isso nem sequer é o pior.”
O silêncio estendeu-se entre elas como uma ferida aberta. Todas sabiam o que vinha a seguir.
“O Gonçalo desapareceu,” disse Maria, a palavra carregada de preocupação. “Simplesmente… evaporou-se após enfrentar a Esmeralda. E os pais da Bunny…”
“Estão vivos, mas abalados,” completou Joana, olhando para o relógio antigo do templo. Os ponteiros pareciam mover-se com reluctância, como se o próprio tempo hesitasse em avançar. “E a Luna está numa clínica veterinária, mas vai recuperar. Quanto ao Artemis…” A sua voz hesitou. “Ninguém o viu desde a batalha.”
Rita levantou-se, verificando o próprio relógio. “Está na hora de irmos ao hospital. A Bunny deve estar a precisar de apoio.”
*
O Hospital Distrital de Juuban erguia-se contra o céu cinzento, um edifício funcional dos anos sessenta com a típica arquitetura austera da época. As janelas pequenas e uniformes refletiam o céu nublado, dando ao prédio um aspeto sóbrio mas eficiente.
Subiram até ao quarto dos Tsukino, os seus passos ecoando nos corredores bem iluminados. O cheiro característico a desinfetante misturava-se com o aroma subtil das flores que alguns visitantes tinham trazido.
Rita bateu suavemente à porta do quarto 314. Não houve resposta, por isso entraram devagar.
O quarto estava pintado no branco institucional típico dos hospitais — prático mas pouco acolhedor. Uma janela virada a norte deixava entrar luz natural suficiente, embora o dia estivesse nublado.
Os pais de Bunny descansavam nas suass respetivas camas, ligados a monitores que piscavam calmamente. Bunny encontrava-se numa cadeira junto à janela, o olhar perdido na paisagem urbana. Havia algo de cansado na sua postura, como se o peso dos acontecimentos a tivesse deixado genuinamente esgotada.
“Bunny?” chamou Joana suavemente, batendo novamente na porta já aberta.
Bunny virou-se, esboçando um sorriso cansado mas genuíno. “Entrem. Eles estão a dormir – a enfermeira deu-lhes um sedativo há pouco para descansarem melhor.”
Rita dirigiu-se a uma jarra na mesa de cabeceira e arranjou o ramo de lírios brancos que tinham trazido. As flores trouxeram um toque acolhedor ao ambiente neutro do quarto.
“Como te sentes?” perguntou, embora pudesse ver que Bunny estava visivelmente abalada.
“Alguns arranhões, uns cortes…” Bunny ergueu o braço, mostrando as ligaduras limpas que se estendiam do pulso ao cotovelo. “Fisicamente, nada de grave.” Pausou, o rosto a endurecer ligeiramente. “Mas não consigo parar de pensar no Gonçalo.”
Maria aproximou-se e tocou-lhe o ombro com gentileza. “Ele vai aparecer. Tem que aparecer.”
“Não sabes isso.” A voz de Bunny saiu mais cortante do que pretendia. “Ninguém sabe onde ele está. Eu só queria sentir o alívio de saber que ele está bem, como senti ontem quando me vieram salvar e vi que estavam todas vivas.”
“Tens que manter a esperança,” disse Joana, embora soubesse que as palavras soavam vazias.
“Não consigo ter esperança!” A frustração de Bunny explodiu subitamente. “Como posso ter esperança quando não sei se ele está vivo ou morto?”
O que aconteceu a seguir surpreendeu todas elas.
Rita bateu com a mão na mesa com força suficiente para fazer a jarra tremer. “Basta!”
O silêncio que se seguiu foi tenso. As três amigas olharam para Rita com surpresa.
“Nem sempre tudo é sobre ti e o Gonçalo!” As palavras saíram carregadas de uma frustração há muito reprimida. “Desde que nos conhecemos, a nossa missão tem sido proteger-te como Princesa da Lua, como amiga. Mas tu raramente nos facilitas as coisas!”
Bunny recuou, visivelmente chocada.
“Esse sentimento de impotência que estás a sentir?” Rita continuou, a voz firme mas controlada. “É o que todas nós sentimos constantemente! Ontem tentámos proteger-te da Esmeralda, e tu simplesmente fugiste de nós e foste diretamente para o perigo!”
Os olhos de Rita brilhavam com lágrimas contidas, mas ela mantinha a compostura.
“Como achas que nos sentimos quando tentamos proteger alguém que nos ignora sempre que o namorado está em apuros? Sempre que aparece um novo inimigo, todas nós perdemos algo. Todas nós sacrificamos a nossa normalidade!” A sua voz quebrou-se ligeiramente. “Já pensaste que também somos como tu? Que também sentimos medo e preocupação? Não podes estar sempre a lamentar-te, tens que ser forte.”
Limpou os olhos com a manga da camisola, num gesto rápido e determinado.
“Rita…” murmurou Maria, dividida entre a compreensão e a surpresa.
Bunny olhou para Rita por longos segundos. Algo mudou na sua expressão, uma determinação que nasceu da honestidade brutal da amiga.
Limpou as próprias lágrimas e endireitou os ombros.
“Tens razão,” disse, a voz mais firme. “Não posso continuar assim. Tenho que agir, tenho que encontrar uma forma de descobrir o que aconteceu ao Gonçalo. Lamentar-me não vai trazê-lo de volta.” Um sorriso determinado – o primeiro genuíno em dias – apareceu no seu rosto.
“Assim é que gostamos de te ouvir,” disse Joana, sorrindo também.
“Mas há algo que preciso de vos perguntar…” Bunny inclinou-se para a frente, baixando a voz. “Como conseguiram transformar-se ontem? Pensei que os vossos cristais de transformação não funcionavam.”
Maria franziu o sobrolho, pensativa. “Foi estranho. O campo de força da Esmeralda estava a comprimir-nos quando apareceu um furacão carregado de energia que o destroçou completamente.”
“Um furacão?” Bunny arqueou uma sobrancelha. “De onde veio?”
“Não sabemos. Apareceu do nada.” Joana gesticulou enquanto falava. “Mas logo depois os cristais das nossas canetas de transformação começaram a brilhar intensamente. Foi quando conseguimos transformar-nos novamente.”
“Esperem.” Rita tinha aquela expressão concentrada que geralmente antecedia as suas melhores teorias. “Agora que falam nisso, penso que vi alguém numa árvore quando o furacão apareceu. A silhueta parecia familiar… Sailor Neptuno, talvez?”
“Mas a Neptuno controla as águas profundas,” disse Maria. “Os seus poderes são aquáticos, não atmosféricos.”
“Pois…” suspirou Joana, pegando num copo de sumo e bebendo um gole. “Agora é que Ami nos fazia falta para resolver este mistério.”
Bunny verificou o relógio na parede. “Ainda temos muito que discutir…”
“Como o facto de Esmeralda estar viva,” acrescentou Joana com preocupação.
“…mas tenho que ir buscar a Luna ao veterinário.” Bunny levantou-se com algum esforço. “Ela não pode entrar no hospital. Será que alguma de vocês pode ficar com ela esta noite?”
“Eu fico,” ofereceu-se Joana. “Assim distraio-me enquanto o Artemis não aparece. Quando ele voltar, vamos ter uma conversa séria.”
“Obrigada. Até amanhã, então.”
Despediram-se rapidamente. Bunny ficou sozinha com os seus pais a dormir e os seus próprios pensamentos.
Poucos minutos depois, a porta abriu-se novamente.
Uma enfermeira entrou no quarto — uma mulher robusta com cabelos presos num coque e um ligeiro sotaque francês. Havia algo ligeiramente deslocado na sua presença, como se não se enquadrasse perfeitamente no ambiente hospitalar.
“Zenhorrr e Zenhorra Tsukino,” disse ela, preparando uma seringa. “Vou administrrar-lhes um zedativo para descansarrem melhor durante a noite, ztá bem?”
Bunny sentiu-se imediatamente alerta. “Mas a enfermeira que esteve aqui há vinte minutos não lhes deu já um sedativo?”
A mulher riu de forma estranha. “Não, menina! Isso foi um anti-inflamatórrrio. Elez ztão um pouco confuzos por causa da medicazão, mas não estão zedadoz.” Falou como se fosse óbvio, mas algo no seu tom fez Bunny desconfiar. “Ai! Vozê parece cansada, tome um bombom!”
Antes que Bunny pudesse reagir, a mulher enfiou-lhe um doce na boca. Tinha um sabor estranhamente intenso, demasiado doce, com um ligeiro travo metálico.
“Agora vou dar o sedativo, com licenza!”
“Não é necessário.” A voz do pai de Bunny cortou o ar. Os seus olhos abriram-se subitamente, claros e alertas — surpreendentemente despertos para alguém que deveria estar sedado.
“Não queremos dormir ainda,” disse a mãe, abrindo também os olhos. “A nossa filha tem muito que nos explicar.”
*
O percurso do hospital ao veterinário obrigava-as a passar pela rua onde ficava a casa dos Tsukino. Enquanto caminhavam pelas ruas de Juuban, não conseguiam escapar à avalanche de cartazes publicitários que cobriam postes e muros com uma persistência quase agressiva.
“Já estou farta de ver publicidade a este concerto!” exclamou Rita, gesticulando irritadamente para um cartaz particularmente vistoso.
“Concerto?” perguntou Maria, franzindo o sobrolho. Raramente prestava atenção à publicidade urbana, preferindo focar-se nos seus próprios pensamentos durante as caminhadas.
“Por favor, Maria! Em que mundo vives?” suspirou Joana, dirigindo-se para uma parede onde um cartaz de grandes dimensões proclamava em letras douradas:
“MEGA CONCERTO DE CÉLIA! A estrela internacional visita Tóquio para apresentar o seu mais recente álbum ‘Crystal Fixation'”
“A Célia vem cá?!” Os olhos de Maria iluminaram-se subitamente.
“Eu adoro ‘Your Hips Do Lie’! É impossível não dançar quando a oiço.” Exclamou Rita, surpreendendo-se com o próprio entusiasmo.
Joana olhou para a amiga com uma expressão genuinamente surpreendida. “Não te fazia fã de ídolos! Não é de todo o teu estilo.”
O tom ligeiramente superior com que disse isto fez Rita arquear uma sobrancelha.
“Será que estou a detetar uma pontinha de inveja na tua voz, Joana?”
“Eu?!” exclamou Joana, detendo-se abruptamente.
Tinham chegado ao que restava da casa dos Tsukino. A estrutura, outrora uma moradia familiar acolhedora, apresentava agora um aspeto de zona de guerra. O piso superior estava parcialmente desmoronado, com vigas expostas e destroços espalhados pelo jardim da frente. Marcas de queimadura escureciam as paredes exteriores, e várias janelas tinham sido tapadas com tábuas provisórias.
“Não acredito que somos responsáveis por pelo menos metade disto,” murmurou Joana, contemplando a devastação. “Os nossos ataques combinados… a explosão que causámos…”
“Os nossos poderes aumentaram consideravelmente desde a última batalha,” observou Rita, também impressionada com a extensão dos danos. Havia algo inquietante na facilidade com que tinham destruído uma casa inteira.
“Pois, estou mesmo a ver a Sailor Neptuno a conseguir amplificar os nossos poderes assim,” disse Joana com sarcasmo.
“Joana, já te disse que aquela figura podia não ser Neptuno! Tu estavas inconsciente, nem a viste direito!” Rita revirou os olhos, exasperada com a teimosia da amiga.
“Então seria quem? A princesa de Inglaterra ou o Pai Natal? Tu própria disseste que a silhueta era parecida com…” Joana parou a meio da frase. “Onde está a Maria?”
Maria tinha-se afastado do grupo e entrado no pátio devastado da casa. Estava agachada junto aos destroços, segurando algo na mão com uma expressão de total incredulidade.
“Maria… o que é isso?” perguntou Rita, aproximando-se com uma sensação crescente de apreensão. O objeto na mão da amiga parecia estranhamente familiar.
Maria olhou para elas, os olhos arregalados, e abriu lentamente a mão. No centro da sua palma jazia um alfinete dourado de design elaborado. No seu centro existia uma estrela de quatro pontas rosa seguida de uma meia lua branca voltada para cima. Pequenas esferas coloridas — verde, laranja, vermelha e azul — estavam dispostas nos pontos cardeais, cada uma representando uma das guerreiras planetárias.
O silêncio que se seguiu foi absoluto, quebrado apenas pelo ruído distante do trânsito.
“Isto é…” Maria engoliu em seco. “É quase idêntico ao primeiro broche de transformação da Bunny.”
“Não pode ser,” sussurrou Rita.
“Mas esse foi destruído há anos,” disse Joana retoricamente, embora todas soubessem que era verdade. “E a Luna não pode falar, quanto mais criar um novo…”
Rita pegou cuidadosamente no broche, examinando-o com olhos experientes. “Reparem — tem uma estrela de quatro pontas em vez do círculo rosa original. E não está danificado nem queimado, o que significa que foi colocado aqui depois da explosão.”
O peso das implicações assentou sobre elas como uma nuvem pesada.
“Não vale a pena especular agora,” disse Joana, a voz carregada de urgência e excitação. “Temos que contar à Bunny! Se isto funcionar, ela pode voltar a transformar-se e a defender-se.”
Voltaram rapidamente ao hospital, as suas passadas ecoando pelos corredores com uma energia renovada. Pela primeira vez em dias, tinham algo que se assemelhava a boas notícias.
Bateram à porta do quarto 314 e entraram, esperando encontrar Bunny sozinha com os pais ainda sedados. Em vez disso, depararam-se com uma cena completamente diferente: Bunny estava sentada numa cadeira entre as duas camas, com os pais perfeitamente despertos e alertas. Os olhos de Bunny estavam vermelhos mas brilhavam com alívio, enquanto a mãe mostrava sinais evidentes de ter chorado recentemente. O pai tinha uma expressão mista de incredulidade e determinação.
“Desculpem a intrusão,” disse Maria, constrangida. “Mas precisávamos de falar com a Bunny.”
“Podem falar aqui,” respondeu o Sr. Tsukino num tom surpreendentemente firme. “Já sabemos de tudo.”
“Tudo?” tentou disfarçar Joana, esboçando um sorriso pouco convincente. “Tudo o quê?”
“Tudo mesmo,” confirmou Bunny, a voz carregada de alívio. “Ouviram a nossa conversa há pouco.”
“Vocês podiam ter confiado em nós!” exclamou a Sra. Tsukino, enxugando novas lágrimas. “Como foi possível manterem isto em segredo todos estes anos?”
Maria deu um passo em frente, respirando fundo. Tinha ensaiado este momento mentalmente dezenas de vezes. “Sra. Tsukino, não era uma questão de confiança. Se os inimigos descobrissem que alguém conhecia as nossas identidades, poderiam usar essa pessoa contra nós. As consequências seriam… perigosas.”
“Nenhuma de nós contou aos nossos familiares,” acrescentou Joana, tentando reforçar o argumento.
“Mesmo assim,” soluçou a mãe de Bunny, “custa-me tanto saber que vocês não são… que a minha filha veio da Lua, não é?”
Rita interveio pela primeira vez, a voz cuidadosamente controlada. “Não é bem assim. Somos reencarnações das guerreiras que protegeram o Reino da Lua em tempos antigos, mas continuamos a ser terrestres. Geneticamente, vocês são os verdadeiros pais dela.”
Todas olharam para Rita com surpresa.
“O quê?” perguntou ela, irritada. “Não é só a Ami que percebe destas coisas!”
O Sr. Tsukino franziu o sobrolho, como se fragmentos de memórias suprimidas começassem a emergir. “Há coisas que quero esclarecer. Agora que sabemos a verdade, sinto que certas… ilusões estão a desvanecer-se. Quem são na verdade a Chibi-Usa e a Chibichibi?”
Joana sussurrou divertidamente ao ouvido de Maria: “Agora é que a Bunny fica em sarilhos!”
Bunny suspirou pesadamente, coçando a cabeça. “Bem… a Chibichibi era na verdade uma semente estelar que uma guerreira projetou para o passado porque sabia que ia ser corrompida. Essa semente reencarnou numa criança para me guiar e amplificar os meus poderes, de forma a eu poder combater o lado corrupto dela e… entendes?”
“Ah, sim, claro,” mentiu o pai, claramente perdido. “Mas e a Chibi-Usa? Agora lembro-me que ela usou aquela coisa estranha parecida com a Luna para nos… para nos fazer esquecer coisas!”
Todos os encantamentos criados para os proteger tinham-se desfeito quando Bunny revelara a verdade.
“Vês, Fernanda? Eu bem disse que era estranho ela pertencer à nossa família. Ninguém do meu lado tem cabelo cor-de-rosa.”
“Agora é que ela fica MESMO em sarilhos!” sussurrou Joana novamente, antecipando a explicação da amiga.
“A Chibi-Usa é… é muito complicado,” esquivou-se Bunny, sentindo as faces corarem. “Vocês têm que descansar, não precisam de saber todos os detalhes agora!”
“Não é assim tão complicado explicar que ela é tua filha!” disse Rita com uma inocência fingida que enganava poucos.
“O QUÊ?!” gritaram ambos os pais em uníssono. “QUANDO é que isso aconteceu?!”
“Calma!” exclamou Bunny, mortificada, lançando um olhar assassino a Rita. “Eu ainda não a tive! Ela é minha futura filha — veio do futuro para lutar connosco e…”
“Isto não pode estar a acontecer,” murmurou a mãe, encostando-se à almofada com uma dor de cabeça visível. “Futuras filhas que encontram futuras mães que não sabem que vão ter filhas… isto é tudo tão confuso.”
“Futura ou não, isso não interessa!” rugiu o pai, uma veia a pulsar perigosamente na testa. “Quem foi o rapaz responsável?”
“Responsável? Quando a tiver, já sou casada!” ripostou Bunny, dividida entre vergonha e indignação.
“Foi o Gonçalo , o Gonçalo Chiba!” respondeu Rita alegremente.
“Rita, não te metas!” gritou Bunny, corando ainda mais. “Eu tenho vinte e um anos! Não sou propriamente uma criança!”
“Meu Deus,” suspirou a Sra. Tsukino, tapando o rosto.
“BUNNY TSUKINO!” trovejou o pai. “Quero falar com esse rapaz imediatamente!”
O silêncio que se seguiu foi pesado. Mesmo Rita parou de se rir.
“É que ele…” a voz de Bunny desvaneceu-se. “Ele desapareceu ontem.”
“Ah.” O pai acalmou-se ligeiramente, corado. “Falamos sobre isso depois, então. Mas não penses que isto acabou aqui.”
Maria decidiu intervir antes que a conversa descambasse ainda mais. “A vossa casa ficou muito danificada.”
“Mas está tudo coberto pelo seguro,” explicou a Sra. Tsukino. “E o piso inferior não foi muito afetado. Perdemos algumas coisas, mas os objetos mais importantes estavam na sala de baixo.”
“Podem ficar no templo durante as obras,” ofereceu Rita, tentando ser útil. “Temos quartos vazios.”
“Obrigada, Rita,” disse Bunny, ainda chateada pelas piadas da amiga. “Mas não me sinto segura lá depois de tudo o que aconteceu. Não quero estar constantemente a relembrar…”
“Compreendo,” disse Rita, sorrindo ligeiramente.
“Podem ficar no meu apartamento,” ofereceu Maria, com entusiasmo evidente na voz. “Tenho um quarto de hóspedes e sofás-cama!”
“A sério? Não te importas? Somos quatro pessoas…” lembrou Bunny, referindo-se ao irmão.
“Claro que não! Vou adorar ter companhia!”
O Sr. Tsukino considerou a oferta. “O seguro cobre as reparações mas não o alojamento temporário. Dadas as circunstâncias, aceito a tua oferta. O que achas, querida?”
“Como quiserem,” suspirou a esposa, ainda a processar tudo.
“Então está decidido!” exclamou Bunny. “Vais ter hóspedes, Maria!”
“Obrigado,” disse o pai, ligeiramente constrangido por aceitar ajuda de alguém da idade da filha. “Mas é só até às obras acabarem. Pelos meus cálculos, deve demorar uns… quatro meses!”
A realização da duração da estadia fê-lo palidecer ligeiramente.
“Não se preocupe, Sr. Tsukino. Podem ficar o tempo que for necessário!”
“Eu também oferecia a minha casa,” balbuciou Joana, envergonhada, “mas a não ser que alguém durma na banheira, não há espaço para todos.”
O riso que se seguiu quebrou a tensão acumulada. Bunny olhou para as amigas, mas algo lhe faltava.
“Joana,” disse com ar curioso, “onde está a Luna?”
As três trocaram olhares culpados e saíram rapidamente do quarto, correndo em direção ao veterinário sem admitir que se tinham completamente esquecido da gata.
